Parecer jurídico acerca da viabilidade de contratação de seguro habitacional em apólice de mercado individual e dos procedimentos aplicáveis à sua contratação.


Porto Alegre/RS, 30 de março de 2022.

I.              INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

 

A GEO Serviços em Seguros Digitais Ltda. (denominada “Consulente”) disponibiliza em seu portal eletrônico www.habitacionalindividual.com.br (denominado “Portal do Habitacional Individual” ou apenas “Portal”) soluções tecnológicas ao ecossistema de seguros, estando entre as suas atribuições a distribuição do produto de Seguro Habitacional Individual, em Apólice de Mercado (ora denominado apenas “Seguro” ou “Habitacional Individual”).

 

O Seguro Habitacional é o produto de seguro de contratação obrigatória em operação envolvendo crédito imobiliário celebrada com instituições financeiras. Desta forma, quando existe um financiamento para aquisição ou construção de imóvel, ou mesmo quando é contratado um empréstimo pessoal garantido por bem imóvel, como ocorre nas operações de Home Equity, necessariamente deverá ser contratado o Seguro Habitacional.

 

A contratação obrigatória desse seguro, prevista em esparsas leis do nosso ordenamento jurídico[1], tem por objetivo fomentar o financiamento imobiliário em geral, amparar o direito constitucional à moradia, assegurando a manutenção da propriedade imobiliária em caso de algum evento adverso, como o falecimento do responsável pela operação de crédito celebrada, e proteger a Instituição Financeira responsável por conceder o crédito em relação ao recebimento dos valores emprestados.

 

Com suas disposições regulamentadas especialmente pela Resolução CNSP nº 205/2009 e pela Resolução BACEN 3.811/2009, o Seguro Habitacional pode ser contratado de forma coletiva, na qual o próprio Financiador é o responsável pela contratação da apólice, ou de forma individual, na qual a pessoa que assina o contrato de financiamento (devedor) é responsável por sua contratação.

 

Considerando que até então inexistia no mercado securitário a possibilidade de contratação deste seguro sob a forma de apólice individual, a qual foi recentemente disponibilizada à distribuição e comercialização por meio do Portal da Consulente, esta solicita a opinião jurídica deste escritório acerca da validade da contratação de Seguro Habitacional por meio de apólice individual e dos procedimentos aplicáveis para esta contratação, considerando as disposições constantes do ordenamento jurídico brasileiro acerca do tema.

 

Isso posto, passamos, a seguir, à análise solicitada pela Consulente, considerando a legislação brasileira em vigor, especialmente o Código de Defesa do Consumidor, as normativas emitidas pelo Banco Central do Brasil (BACEN) e pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e a Lei Federal nº 12.529/2011, além da doutrina e da jurisprudência pertinentes.

 

 

II.            SEGURO HABITACIONAL INDIVIDUAL

 

Como brevemente já mencionado acima, o Seguro Habitacional “tem por objetivo a quitação de dívida do segurado correspondente ao saldo devedor vincendo na data do sinistro relativa a financiamento para aquisição ou construção de imóvel, em geral, e/ou a reposição do imóvel, na ocorrência de sinistro coberto” (Art. 2º da Resolução CNSP 205/2009) e se caracteriza por “garantir coberturas securitárias que prevejam, no mínimo, os riscos de morte e invalidez do segurado e/ou danos físicos ao imóvel” (Art. 1º, do Anexo da Resolução CNSP 205/2009).

 

Ou seja, o Seguro em questão tem por objetivo garantir que a dívida junto à Instituição Financeira concedente do crédito seja devidamente quitada em caso de o segurado sofrer algum evento adverso, como morte ou invalidez permanente, ou garantir a reposição do bem, na hipótese de algum dano físico comprometer a sua integridade.

 

Nessa modalidade de seguro, o segurado será a pessoa física ou jurídica que assina o contrato de financiamento ou o contrato de empréstimo pessoal com garantia real juntamente com a entidade pública ou privada que concede a operação de crédito. Para fins do constante neste parecer, iremos denominar o contratante da operação de crédito “Mutuário”, “Segurado” ou “Consumidor”, e a Instituição Financeira que concede o crédito ao Mutuário, “Financiador” ou “Instituição Financeira”.

 

Expostos estes conceitos iniciais, em relação ao objeto deste parecer é importante esclarecermos que existem duas formas de contratação desse produto securitário, sendo uma por meio de apólice coletiva, contratada pela própria Instituição Financeira, que, neste caso, passa a atuar como Estipulante[2] da Apólice.

 

Na contratação coletiva, a Companhia de Seguro responsável pelo risco emitirá uma única apólice coletiva e fará a inclusão de cada um dos segurados nesta mesma apólice. Os segurados, por sua vez, receberão, cada um, certificado individual contendo as disposições específicas da sua contratação. Abaixo disponibilizamos algumas regras aplicáveis à contratação deste seguro de forma coletiva:

 

RESOLUÇÃO CNSP nº 205, de 2009.

Anexo

Art. 2º Considerar-se-ão, para efeitos desta Resolução, as seguintes definições: 

V. Estipulante – No seguro contratado sob a forma coletiva, é o próprio financiador;

(...)

Art. 7º Deverá ser apresentado ao estipulante, no caso de seguro coletivo, ou ao interessado no financiamento, no caso de seguro individual, o valor correspondente ao Custo Efetivo do Seguro Habitacional – CESH, em relação às coberturas dos riscos de MIP e DFI, na forma estabelecida pela SUSEP, para efeito de comparabilidade dos produtos oferecidos.

(...)

Art. 10. O prazo de vigência do seguro deverá corresponder ao prazo de financiamento do imóvel.

§ 1o A apólice, no caso de seguro individual, ou o certificado individual, no caso de seguro coletivo, deve estabelecer as datas de início e de término de vigência das coberturas.

§ 2º No caso de seguro coletivo, a vigência da apólice corresponderá ao período em que poderão ser incluídos novos segurados.

 

RESOLUÇÃO BACEN Nº 3811

Art. 2º Cada instituição integrante do SFH celebrará, na qualidade de estipulante e beneficiária direta do seguro, no mínimo, duas apólices coletivas vinculadas aos seus contratos de financiamento, com diferentes seguradoras habilitadas a operar o seguro habitacional,

observado que:

 

Por outro lado, há também a possibilidade de contratação de Seguro Habitacional de forma individual, por meio de emissão de apólice individual contratada diretamente pelo segurado junto à Companhia de Seguros habilitada para operar esse tipo de risco.

 

A contratação do Seguro Habitacional por meio de apólice individual foi expressamente prevista tanto na Resolução CNSP 205/2009, quanto na Resolução BACEN 3.811, conforme abaixo destacamos:

 

RESOLUÇÃO CNSP nº 205, de 2009

Anexo

(...)

Art. 7º Deverá ser apresentado ao estipulante, no caso de seguro coletivo, ou ao interessado no financiamento, no caso de seguro individual, o valor correspondente ao Custo Efetivo do Seguro Habitacional – CESH, em relação às coberturas dos riscos de MIP e DFI, na forma estabelecida pela SUSEP, para efeito de comparabilidade dos produtos oferecidos.

 

RESOLUÇÃO BACEN Nº 3811

Art. 2º (...)

§ 1º Caso o pretendente ao financiamento não deseje aderir a uma das apólices citadas no caput, a INSTITUIÇÃO INTEGRANTE DO SFH DEVERÁ ACEITAR APÓLICE INDIVIDUAL CONTRATADA PELO PRETENDENTE COM OUTRA SOCIEDADE SEGURADORA HABILITADA A OPERAR O SEGURO, desde que:

 

Assim, em relação ao primeiro questionamento da Consulente, não se tem qualquer dúvida quanto à expressa autorização legal para contratação do Seguro Habitacional de forma individual pelo segurado, por meio de apólice individual.

 

Solucionado esse ponto, necessário analisarmos os procedimentos aplicáveis para contratação deste seguro de forma individual e qual é o trâmite que os agentes envolvidos nesta operação deverão observar neste formato de contratação.

 

 

III.           DOS PROCEDIMENTOS PARA SUA CONTRATAÇÃO

 

O Seguro Habitacional precisa ser contratado ou aderido pelo pretendente ao financiamento imobiliário ou pelo pretendente ao empréstimo pessoal com garantia real no momento da celebração do contrato de crédito em questão. Como já explanado anteriormente, a legislação atinente ao tema prevê como requisito às operações de crédito imobiliário a contratação pelo Mutuário dessa modalidade de seguro para garantir tanto a quitação da dívida, quanto a integridade do bem em questão.

 

De forma a assegurar que garantias constitucionais, como a livre concorrência, a liberdade de contratar, a defesa do consumidor, entre outras, fossem observadas pelos agentes que realizam este tipo de operação, aqui compreendidos como as instituições concedentes da operação de crédito e as companhias seguradoras, o BACEN expediu a Resolução 3.811/2009 para disciplinar as regras de contratação deste seguro aplicável às instituições concedentes de crédito imobiliário.

 

Nesse contexto, a Resolução 3.811/2009 estabelece, em seu artigo 2º, que cada instituição autorizada a ofertar crédito imobiliário deverá disponibilizar ao consumidor desse produto no mínimo 02 (duas) apólices coletivas de Seguro Habitacional, garantidas por diferentes Companhias de Seguros, de forma a observar os princípios acima citados, conforme ora destacamos:

 

Art. 2º Cada instituição integrante do SFH celebrará, na qualidade de estipulante e beneficiária direta do seguro, no mínimo, duas apólices coletivas vinculadas aos seus contratos de financiamento, com diferentes seguradoras habilitadas a operar o seguro habitacional, observado que:

I - sejam previstas as coberturas citadas no art. 1º e obedecidas as condições específicas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP);

II - o prazo de vigência se estenda pelo prazo de amortização do contrato de financiamento;

III - pelo menos uma das seguradoras não seja empresa controlada ou coligada nem pertença ao mesmo conglomerado econômico-financeiro do estipulante.

 

Não obstante, tal Resolução vai além ao autorizar de forma cristalina o Mutuário da operação de crédito a contratar diretamente apólice individual de Seguro Habitacional com qualquer Seguradora autorizada a operar nesse ramo, consoante expressamente consta do parágrafo primeiro do mencionado artigo:

 

§ 1º Caso O PRETENDENTE AO FINANCIAMENTO não deseje aderir a uma das apólices citadas no caput, a INSTITUIÇÃO INTEGRANTE DO SFH DEVERÁ ACEITAR APÓLICE INDIVIDUAL CONTRATADA PELO PRETENDENTE COM OUTRA SOCIEDADE SEGURADORA HABILITADA A OPERAR O SEGURO, desde que:

I - sejam previstas as coberturas citadas no art. 1º e obedecidas as condições específicas estabelecidas pelo CNSP;

II - a instituição integrante do SFH figure como beneficiária direta;

III - o prazo de vigência se estenda pelo prazo de amortização do contrato de financiamento.

 

Vale o destaque ao uso do verbo “DEVER” em sua forma imperativa, intencionalmente utilizado pelo legislador para impor ordem a ser cumprida e não opção por parte do agente financeiro. Ou seja, uma vez observados os requisitos previstos nos incisos I a III do parágrafo 1º pela apólice individual contratada pelo Mutuário, a Instituição Financeira que concederá o crédito DEVERÁ, obrigatoriamente, aceitar a apólice individual em questão.

 

Ainda, de forma a evitar que o Financiador da operação de crédito opusesse injustificáveis obstáculos à liberdade de contratar que é garantida ao Mutuário em relação ao Seguro Habitacional, o parágrafo 2º desse mesmo artigo estabeleceu prazo peremptório[3] para exame das condições da apólice individual e a possibilidade de cobrança de uma tarifa especial para essa análise, como ora transcrevemos:

 

§ 2º No caso do § 1º deste artigo, a instituição integrante do SFH deverá analisar a proposta de apólice individual aceita por sociedade seguradora, NO PRAZO DE QUINZE DIAS A CONTAR DE SUA APRESENTAÇÃO PELO PRETENDENTE AO FINANCIAMENTO HABITACIONAL, para avaliar o cumprimento da regulamentação em vigor, inclusive o disposto nesta resolução, facultada, neste caso, a cobrança de tarifa com o propósito de permitir o ressarcimento dos custos relativos à respectiva análise, desde que o valor não exceda a R$100,00 (cem reais).

 

Aliás, cabe mencionar que o decurso do prazo fixado pela normativa do BACEN sem qualquer resposta por parte da Instituição Financeira tem por consequência a aceitação da apólice de seguro apresentada, considerando que o consumidor não pode ser lesado por ato de Prestador de Serviços, nos termos do Código de Defesa do Consumidor.

 

Da análise dos dispositivos legais acima citados, portanto, não resta qualquer dúvida que, tendo o Mutuário optado pela contratação de forma individual e não coletiva, é obrigatória a aceitação desta apólice por parte do Financiador da operação de crédito imobiliário, desde que preenchidos os requisitos legais.

 

É importante esclarecermos que este direito do Mutuário / Segurado é garantido a qualquer tempo, ou seja, não apenas na época da contratação do financiamento, mas também durante o prazo de sua execução, o qual normalmente é consideravelmente extenso.

 

É justamente nesse sentido que o artigo 6º da Resolução em comento estabelece o regramento aplicável à alteração de apólice no transcurso do contrato de crédito imobiliário, o qual ora transcrevemos para melhor exame das suas disposições:

 

Art. 6º A instituição integrante do SFH DEVERÁ ACEITAR A MUDANÇA DE APÓLICE, POR OPÇÃO DO MUTUÁRIO, DURANTE O CURSO DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL, desde que:

I - o prazo de vigência da nova apólice se estenda pelo período remanescente do contrato;

II - o prêmio a ser pago ao longo do prazo remanescente do financiamento não onere a capacidade de pagamento do mutuário das demais parcelas dos encargos mensais vincendos do financiamento;

III - sejam previstas as coberturas citadas no art. 1º e obedecidas as condições estabelecidas pelo CNSP; IV - a instituição integrante do SFH figure como beneficiária direta.

 

§ 1º A instituição integrante do SFH poderá recusar a mudança de apólice, desde que apresente outra apólice, individual ou coletiva, com custo efetivo do seguro habitacional não superior àquele da apólice recusada.

§ 2º A nova adesão à apólice coletiva ou à nova apólice individual vinculada ao financiamento passará a vigorar a partir da terceira prestação que vencer após a solicitação de alteração feita pelo adquirente à instituição integrante do SFH.

3º No caso de alteração de apólice vinculada ao financiamento habitacional pela adesão do mutuário à apólice individual, aplica-se o disposto no art. 2º, § 2º.

 

Oportuno, ainda, lembrarmos que a própria Resolução CNSP 205/2009 igualmente permite, no seu artigo 29 do Anexo[4], a substituição da apólice de seguro durante o prazo do contrato de financiamento ou de empréstimo pessoal com garantia real contratado.

 

A propósito dessa contratação de apólice individual durante o transcurso do contrato de crédito imobiliário, esclarecemos que a apólice passará a vigorar a partir da terceira prestação que vencer após a formalização da solicitação, nos exatos termos do artigo 6º, § 2º, da Resolução nº 3.811 do BACEN, ora transcrito:

 

Art. 6º A instituição integrante do SFH deverá aceitar a mudança de apólice, por opção do mutuário, durante o curso do contrato de financiamento habitacional, desde que:

§ 2º A nova adesão à apólice coletiva ou à nova apólice individual vinculada ao financiamento passará a vigorar a partir da terceira prestação que vencer após a solicitação de alteração feita pelo adquirente à instituição integrante do SFH.

 

Assim, firmadas essas bases, podemos concluir pela possibilidade de contratação de apólice individual do Seguro Habitacional pelo Mutuário da operação concomitantemente à celebração do contrato de crédito imobiliário como durante o curso deste contrato, considerando a sua característica de ser um contrato de longa execução.

 

É válido ainda defendermos que as instituições financeiras têm a obrigação legal de aceitar a apólice de seguro individual contratada pelo Mutuário, salvo se esta não observar os requisitos previstos nos atos normativos pertinentes, os quais ora listamos: i) apólice que contenha as coberturas aos riscos de morte e invalidez permanente do Mutuário e danos físicos ao imóvel; ii) o Financiador figure como beneficiário direto; iii) o prazo de duração seja igual ao do contrato de financiamento; iv) o prêmio a ser cobrado não onere a capacidade financeira do Mutuário; v) o custo efetivo do seguro ser igual ou inferior ao previsto na apólice oferecida pelo Financiador; e vi) a Seguradora estar habilitada para operar o seguro em questão, no momento da contratação do crédito imobiliário ou no momento do pedido de mudança de apólice durante a vigência deste.

 

Dito isso, caso a apólice de Seguro Habitacional individual a ser contratada pelo Mutuário da operação de crédito observar todos os requisitos anteriormente mencionados, o Financiador ficará obrigado a aceitar contratação desse seguro de forma individual e deverá cobrar do segurado, juntamente com os encargos do financiamento/empréstimo, o valor de prêmio aplicável.

 

Qualquer negativa por parte do Financiador quanto à aceitação de contratação de apólice individual que atenda aos requisitos legais, acima listados, configurará como conduta ilícita, autorizando o Mutuário a adotar medidas cabíveis para garantir o exercício do direito de livre contratação do seguro que toda a legislação acima citada lhe confere.

 

Diante dessa conclusão, no último ponto deste parecer analisaremos as medidas que podem ser adotadas pelo Consumidor em caso de enfrentar dificuldades na contratação da apólice individual de Seguro Habitacional Individual.

 

IV.           DIREITOS E MECANISMOS DE DEFESA DO CONSUMIDOR


Observando todo o acima exposto, é válido concluirmos que o Consumidor, Mutuário do crédito imobiliário, está devidamente amparado pela legislação brasileira para exercer livremente a escolha de como contratar o Seguro Habitacional para assegurar a operação de financiamento imobiliário celebrada, assim como para mudar de apólice de seguro durante o transcurso do contrato de financiamento.

 

Essa livre escolha do devedor deve ser respeitada por todos os agentes envolvidos na operação creditória e securitária tanto no momento da contratação da operação de crédito imobiliário, quanto no transcurso do contrato de financiamento ou de Home Equity.

 

Vale lembrar que a Resolução BACEN 3.811 é categórica quanto aos requisitos que autorizam a negativa de contratação de apólice individual do Seguro Habitacional pelas instituições financeiras, não dando margem a decisões discricionárias pelos Financiadores quanto à aceitação ou não de apólice apresentada por qualquer Mutuário da obrigação de crédito.

 

Diante do regramento legal, a negativa de concessão do crédito com a contratação de apólice individual ou mesmo a negativa de mudança de apólice de seguro para individual durante o prazo de financiamento/empréstimo por outras justificativas, como normativas internas e próprias do agente financiador, ou a concessão de taxa mais benéfica de financiamento pela contratação do seguro com a seguradora indicada pelo agente financeiro, ou impossibilidade do sistema interno de proceder com a troca, entre tantas outras, se caracteriza como conduta ilícita e sujeita a sanções, tanto na esfera administrativa, como cível e criminal.

 

Veja que a negativa de concessão do crédito com a contratação de apólice individual, ou mesmo a negativa de substituição da apólice de seguro coletiva para a individual, que esteja fundamentada em normativas internas e próprias do agente financiador, ou em suposta impossibilidade do sistema interno de registrar a operação, configura prática abusiva, na forma do artigo 39, inciso IV, do CDC, in verbis:

 

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;   

 

De igual forma, a concessão de taxa mais benéfica de financiamento pela contratação do seguro com a seguradora indicada pelo agente financeiro pode ser compreendida como venda casada, a qual constitui prática abusiva vedada pelo artigo 39, inciso I, do CDC – e, de forma específica à matéria em tela, pela Súmula 473/STJ –, além de infração contra a ordem econômica tipificada como crime nos artigos 36 e 37 da Lei Federal nº 12.529/2011, senão vejamos:

 

Código de Defesa do Consumidor

  Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:            

 I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

 

Súmula 473/STJ - 19/06/2012 - Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Consumidor. Recurso especial repetitivo. Recurso especial representativo da controvérsia. Seguro habitacional. Contratação obrigatória com o agente financeiro ou por seguradora por ele indicada. Venda casada configurada. CPC/1973, art. 543-C. Lei 4.380/64, art. 14. CDC, art. 39, I.

O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada.

 

 

Lei Federal nº 12.529/2011:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:

XVIII - subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à utilização de outro ou à aquisição de um bem; e

 

Art. 37. A prática de infração da ordem econômica sujeita os responsáveis às seguintes penas:

I - no caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação;

II - no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais);

 

Nesse diapasão, considerando que a subordinação da regulação bancária às normas do Código de Defesa do Consumidor trata-se de entendimento já consolidado pelo Supremo Tribunal Federal[5], caso o Financiador da operação de crédito apresente obstáculos à contratação da apólice individual do Seguro Habitacional, o Mutuário poderá adotar medidas extrajudiciais e judiciais para a salvaguarda dos seus direitos

 

Com efeito, no âmbito extrajudicial, é facultado ao Mutuário denunciar as práticas abusivas e/ou as infrações contra a ordem econômica perpetradas pela Instituição Financeira, inclusive anonimamente, por intermédio de todo e qualquer um dos seguintes canais:

 

a)    Reclamação ao BACEN – acessível através do seguinte link (https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/registrar_reclamacao) – registrada a reclamação, o BACEN a encaminha à Instituição Financeira, que disporá do prazo de 10 (dez) dias úteis para responder ao reclamante. Além disso, a reclamação pode ensejar a adoção, pelo BACEN, de ações de fiscalização, melhorias a legislação, ranking de instituições por índice de reclamações e ações de educação financeira;

b)    Atendimento eletrônico do PROCON (https://www.procon.rs.gov.br/atendimento-ao-consumidor) – registrado o atendimento, o PROCON dispõe de prazo de 10 (dez) dias úteis para responder ao solicitante;

c)    Denúncia ao Ministério Público Estadual – o Mutuário deverá dirigir-se ao Ministério Público do seu Estado para registrar a denúncia, a qual, uma vez registrada o Ministério Público irá deliberar sobre a instauração de procedimento próprio, para apuração dos fatos, e sobre a adoção de eventuais providências administrativas ou criminais cabíveis; 

d)    Reclamação ao Consumidor.gov.br – acessível através do seguinte link (https://www.consumidor.gov.br/pages/principal/?1648147027594) – registrada a reclamação, a Instituição Financeira cadastrada no Serviço disporá do prazo de 10 (dez) dias para responder ao reclamante;

 

No âmbito judicial, a seu turno, é lícito ao Mutuário, desde que tenha sofrido danos materiais e/ou morais em decorrência de práticas abusivas e/ou as infrações contra a ordem econômica perpetradas pela Instituição Financeira, ingressar com ação indenizatória perante o Poder Judiciário, com amparo nos artigos 186 e 927, caput, do Código Civil, in verbis:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

 

Por derradeiro, é importante que se diga que, para além das medidas extrajudiciais e judiciais acima listadas, recomenda-se ao Mutuário buscar atendimento, primeiramente, junto ao Serviço de Atendimento ao Consumidor da própria Instituição Financeira, o qual poderá adotar medidas internas para cessar as práticas ilegais eventualmente praticadas por falta de conhecimento sobre a matéria.

 

V.            CONSIDERAÇÕES FINAIS E ENCERRAMENTO

 

Diante de todo o exposto, entendemos s.m.j., que:

 

a.    O Seguro Habitacional tem sua contratação obrigatória para assegurar operação de crédito envolvendo imóveis, englobando tanto a operação de financiamento imobiliário, quanto a operação de crédito pessoal com garantia real (Home Equity);

 

b.    A legislação securitária e monetária expressamente autoriza a contratação de apólice desse seguro em formato coletivo ou individual, cabendo ao Mutuário da operação de crédito a decisão quanto ao formato de contratação do seguro que deseja adotar;

 

c.     Ao Mutuário do contrato de crédito é facultado escolher apólice individual de Seguro Garantia quando da proposição do crédito imobiliário ou a qualquer tempo durante a vigência do contrato de financiamento ou de empréstimo com garantia real, devendo a Instituição Financeira analisar a apólice escolhida no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de sua aceitação automática;

 

d.    A Instituição Financeira concedente do crédito somente poderá rejeitar a contratação de apólice individual quando esta descumprir os requisitos legais, quais sejam: i) apólice que contenha as coberturas aos riscos de morte e invalidez permanente do Mutuário e danos físicos ao imóvel; ii) o Financiador figure como beneficiário direto; iii) o prazo de duração seja igual ao do contrato de financiamento; iv) o prêmio a ser cobrado não onere a capacidade financeira do Mutuário; v) o custo efetivo do seguro ser igual ou inferior ao previsto na apólice oferecida pelo Financiador; e vi) a Seguradora estar habilitada a operar o seguro em questão, no momento da contratação do crédito imobiliário ou no momento do pedido de mudança de apólice durante a vigência deste.

 

e.    A Instituição Financeira que não observar os trâmites para análise da apólice individual contratada pelo Mutuário ou mesmo negar a contratação de apólice fora dos requisitos legais estará sujeita às penalidades previstas em lei, em âmbito administrativo, penal e cível;

 

f.     O Mutuário da obrigação de crédito que tiver o seu direito de escolha tolhido pela instituição concedente do crédito poderá denunciar a irregularidade da conduta aos órgãos e serviços de proteção do consumidor (PROCON, Ministério Público Estadual, Consumidor.gov.br), ao órgão que fiscaliza a atuação das instituições que compõem o Sistema Financeiro Nacional, BACEN, além de buscar o ressarcimento dos prejuízos sofridos judicialmente.

 

Sendo o que tínhamos para expor sobre o assunto em específico, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários.

 

Atenciosamente,

 

MEIRA & SANT`ANNA ADVOCACIA

OAB/RS 5.590

[1] DECRETO-LEI 73/1966:

Art 20. Sem prejuízo do disposto em leis especiais, são obrigatórios os seguros de:

f) garantia do pagamento a cargo de mutuário da construção civil, inclusive obrigação imobiliária;

Lei 9.514/1997: Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário

Art. 5º As operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do SFI, serão livremente pactuadas pelas partes, observadas as seguintes condições essenciais:

I - reposição integral do valor emprestado e respectivo reajuste;

II - remuneração do capital emprestado às taxas convencionadas no contrato;

III - capitalização dos juros;

IV - contratação, pelos tomadores de financiamento, de seguros contra os riscos de morte e invalidez permanente.

Lei 11.977/2009: Dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida

Art. 79. Os agentes financeiros do SFH somente poderão conceder financiamentos habitacionais com cobertura securitária que preveja, no mínimo, cobertura aos riscos de morte e invalidez permanente do mutuário e de danos físicos ao imóvel.

Resolução BACEN 4.676/2018

Art. 5º As operações de financiamento imobiliário podem ser livremente pactuadas pelas partes, observadas as seguintes condições essenciais:

(...) IV - contratação, pelos devedores, da cobertura securitária estabelecida pela legislação em vigor.


[2] Conforme prevê a Resolução CNSP 434/2021, o estipulante é a pessoa natural ou jurídica que contrata apólice coletiva de seguros, ficando investido de poderes de representação dos segurados perante as sociedades seguradoras, nos termos desta Resolução.


[3] Prazo de observância obrigatória, que não pode ser alterado por convenção de vontade dos destinatários da norma.


[4] RESOLUÇÃO CNSP nº 205, de 2009.

Anexo m(...)

Capítulo XII

Da Substituição da Apólice

Art. 29. Para a substituição do seguro contratado, o segurado deverá ter regularizada sua situação de adimplência junto ao estipulante, no caso do seguro coletivo, ou ao financiador, no caso de seguro individual, relativamente a prêmios de seguro vencidos.

Parágrafo único. Na hipótese de antecipação de prêmios, caberá à seguradora substituída a restituição ao agente financeiro da parcela dos prêmios de seguro correspondentes ao período de cobertura não usufruído, devidamente atualizada com base no índice definido no respectivo contrato de seguro."


[5] Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.591/DF, no qual restou definido que as instituições financeiras estão alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

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